História de Vida:
Visões e Orientações
«São muitos os métodos e as técnicas de colecta e análise de dados em uma abordagem qualitativa e, entre eles, a história de vida ocupa lugar de destaque. Através da história de vida pode-se captar o que acontece na intersecção do individual com o social, assim como permite que elementos do presente fundam-se a evocações passadas. Podemos, assim, dizer, que a vida olhada de forma retrospectiva faculta uma visão total de seu conjunto, e que é o tempo presente que torna possível uma compreensão mais aprofundada do momento passado.
É o que, em outras palavras, nos diz SOARES (1994) quando discute as articulações entre os conceitos vida e sentido:
“Somente a posteriori podem-se imputar, aos retalhos caóticos de vivência, as conexões de sentido que os convertem em ‘experiência’” (SOARES, 1994:23).
Cabe lembrar que deve-se estar ciente dos avanços e recuos, da cronologia própria, e da fantasia e idealização que costumam permear narrativas quando elas envolvem lembranças, memórias e recordações.
FARIAS (1994) adverte que as entrevistas de história de vida trabalham com memória e, portanto, com selectividade, o que faz com que o entrevistado aprofunde determinados assuntos e afaste outros da discussão.
No entanto, como nos diz BOSI (1994), o que interessa quando trabalhamos com história de vida é a narrativa da vida de cada um, da maneira como ele a reconstrói e do modo como ele pretende seja sua, a vida assim narrada.
QUEIROZ (1988) coloca a história de vida no quadro amplo da história oral que também inclui depoimentos, entrevistas, biografias, autobiografias. Considera que toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos e, embora tenha sido o pesquisador a escolher o tema, a formular as questões ou a esboçar um roteiro temático, é o narrador que decide o que narrar. A autora vê na história de vida uma ferramenta valiosa exactamente por se colocar justamente no ponto no qual se cruzam vida individual e contexto social.
HAGUETTE (1987) considera que a história de vida, mais do que qualquer outra técnica, excepto talvez a observação participante, é aquela capaz de dar sentido à noção de processo. Este “processo em movimento” requer uma compreensão íntima da vida de outros, o que permite que os temas abordados sejam estudados do ponto de vista de quem os vivencia, com suas suposições, seus mundos, suas pressões e constrangimentos.
CAMARGO (1984) complementa que o uso da história de vida possibilita apreender a cultura “do lado de dentro”; constituindo-se em instrumento valioso, uma vez que se coloca justamente no ponto de intersecção das relações entre o que é exterior ao indivíduo e aquilo que ele traz dentro de si.
O mesmo pensa CIPRIANI (1988) quando considera o “livre fluir do discurso”, condição indispensável para que vivências pessoais despontem profundamente entranhadas no social, o processo de “escavação do microcosmo” deixa entrever o “macrocosmo”, o universal mostra-se invariavelmente presente no singular.
BECKER (1994) acrescenta que a história de vida aproxima-se mais do terra a terra, a história valorizada é a história própria da pessoa, nela são os narradores que dão forma e conteúdo às narrativas à medida que interpretam suas próprias experiências e o mundo no qual são elas vividas.
Diz-nos DENZIM (1984) que a temporalidade é básica no estudo das vidas e distingue duas formas de temporalidade. O tempo mundano relacionado a presente, passado e futuro como horizonte temporal contínuo e o tempo fenomenológico que é o tempo como fluxo contínuo, é o tempo interior, contínuo e circular. Diz ainda que uma vida pode ser mapeada em termos de episódios cruciais de cujo manejo resultam os seus significados. E, contando delas, as pessoas contam mais do que uma vida, elas contam a vida de uma época, de um grupo, de um povo.
Apoiando-se em SARTRE, comenta o autor:
“As pessoas comuns universalizam, através de suas vidas e de suas acções, a época histórica em que vivem. Elas são exemplos singulares da ‘universalidade da história humana’” (SARTRE, 1981:43 apud DENZIM, 1984:30).
A definição de história de vida dada por GOY (1980) complementa os vários elementos já apontados pelos autores acima cotejados. Ele, assim, acrescenta ser a história de vida “um arquivo entrelaçando o verdadeiro, o vivido, o adquirido e o imaginado” (Goy,1980:743 apud Pesce, 1987:154).
A história de vida pode ser, desta forma, considerada instrumento privilegiado para análise e interpretação, na medida em que incorpora experiências subjectivas mescladas a contextos sociais. Ela fornece, portanto, base consistente para o entendimento do componente histórico dos fenómenos individuais, assim como para a compreensão do componente individual dos fenómenos históricos.»
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